domingo, 3 de março de 2013

MECÂNICA DO TECIDO ÓSSEO

Por: Eduardo Rohrs
(Escrito baseado na Pós-Graduação EAD - Curso: Cinesiologia, Biomecânica e Treinamento Físico - Universidade Gama Filho - Matéria de Cinesiologia e Anatomia - Prof. Roberto Bianco)



As estruturas do aparelho locomotor podem ter alguns tipos diferentes de forças aplicadas sobre elas. Estas forças diferentes se chamam solicitações mecânicas. As solicitações mecânicas podem ser de vários tipos: compressão, tração, flexão, deslizamento e torção (HALL, 2009) (Figura 1).

Figura 1: Tipos diferentes de forças às quais os materiais podem ser impostos. Adaptado de HALL (2009). 
A compressão é uma solicitação mecânica que envolve duas forças aplicadas na mesma direção e de sentidos opostos, no sentido do centro do objeto. A compressão tem como principal característica a aproximação que gera o esmagamento do material que constitui a estrutura.

A tração ou tensão é uma forma semelhante de solicitação mecânica à compressão. Ela também envolve duas forças aplicadas na mesma direção e de sentidos opostos, só que neste caso, as forças tendem a afastar o material do objeto.

A flexão ou envergamento é uma solicitação mecânica na qual a estrutura sofre forças que tentam dobrar a estrutura. A flexão pode ocorrer por ação de uma ou mais forças externas, geralmente transversais à estrutura.Uma força de flexão caracteriza-se por ser a associação de uma força de tração com uma força de compressão, sendo que a compressão ocorre no sentido de aplicação da força que produz a flexão.

O deslizamento ou cisalhamento é uma força tangencial que ocorre entre duas superfícies de forma que uma das estruturas se desloca em contato com a outra estrutura, ou as duas estruturas se deslocam e nesta condição em sentidos opostos. O deslizamento é uma solicitação mecânica que ocorre em situações de movimento articular, no qual os ossos se deslocam em contato um com o outro.

A torção é uma solicitação que ocorre de forma tangencial em rotação na estrutura, na qual uma força ou duas forças externas são aplicadas em sentidos opostos. Como conseqüência desta rotação, ocorre uma aproximação, um achatamento do material.


Um exemplo de solicitação mecânica em torção é o que ocorre no disco intervertebral quando realizamos uma rotação na coluna. A torção da coluna produz uma rotação no disco e a aproximação da estrutura, ou seja, uma compressão.

*obs. 1: Atenção com exercícios de rotação do tronco para indivíduos com hérnia de disco!

*obs. 2: Alguns fatores que aumentam a compressão discal são a rotação da coluna, a posição sentada, inclinação do corpo à frente e/ou elevação, suporte e transporte de carga. Também interfere na compressão discal a forma como esta carga é transportada ou suportada, pois quanto mais distante estiver a carga do eixo de rotação, maior será a compressão discal. Isso não significa que o disco corre risco de lesão, pois se a coluna estiver com as suas curvaturas fisiológicas mantidas, a resistência do disco é maior do que o estresse ao qual ele será submetido. Portanto, manter a coluna na postura correta, ou seja, preservando as curvaturas fisiológicas, é essencial para a integridade da coluna e do disco intervertebral. Para manter a coluna na postura correta, é importante ter os músculos paravertebrais, oblíquo interno e transverso do abdome fortalecidos. Os músculos paravertebrais mantêm a coluna em extensão e o músculo oblíquo interno e transverso do abdome aumentam a pressão intra-abdominal para aumentar a rigidez desta região e tornar mais difícil a flexão da coluna lombar. Estes músculos fortalecidos protegem a coluna contra lesões.

Em todas as modalidades diversas estruturas do aparelho locomotor estão sujeitas a lesões, que exigem a interrupção do treinamento para seu tratamento, o que piora do rendimento na modalidade. A prevenção do surgimento de lesões depende da estrutura em questão e da característica de solicitação mecânica desta modalidade. Portanto, em cada modalidade observam-se lesões específicas sobre diferentes estruturas do aparelho locomotor. Contudo, de forma geral, é possível identificar elementos em comum associadas ao surgimento de algumas lesões, como a magnitude da carga aplicada no movimento e a freqüência da carga aplicada ao longo da prática da modalidade (Figura 2).

Figura 2: Análise da probabilidade de uma estrutura corporal sofrer uma lesão, em função de duas variáveis: (1) magnitude de carga ou intensidade e (2) freqüência de carga ou volume. Adaptado de HALL (2009). 

De forma simplificada, pode-se observar que a probabilidade em desenvolver uma lesão depende em primeira instância da magnitude da carga e da freqüência da carga aplicada. Portanto, se a magnitude da carga ou a intensidade for alta, a quantidade de vezes que esta carga poderá ser aplicada com segurança será menor do que com uma carga mais baixa. Por outro lado, se esta carga alta for aplicada excessiva quantidade de vezes, a probabilidade em desenvolver uma lesão será maior (HALL, 2009).

As lesões podem ser de dois tipos: lesões agudas e lesões crônicas. As lesões agudas, também conhecidas como lesões traumáticas, são aquelas nas quais a magnitude da força aplicada é tão alta, que com apenas uma aplicação desta força pode ocorrer a lesão. A magnitude da força ultrapassa a capacidade do tecido de tolerar esta força causando a lesão.

Já nas lesões crônicas, também conhecidas como lesões por esforços repetitivos, a magnitude da carga não é alta o suficiente para promover uma lesão com apenas uma aplicação, mas lesão ocorre por causa da quantidade de vezes que esta carga é aplicada. A cada aplicação da carga, certa quantidade de microtrauma é produzido, que individualmente não representa risco, mas em conjunto os efeitos das forças podem se somar e causar a lesão.

A somatória das forças aplicadas sobre o aparelho locomotor é denominado de sobrecarga. A sobrecarga de uma atividade física por si só não é maléfica ao corpo humano, pois em condições adequadas, os microtraumas produzidos sob o efeito da sobrecarga dos treinamentos será regenerada e ainda servirá de estímulo para que a resistência deste tecido aumente gradativamente.

Contudo, quando a sobrecarga é alta, o tempo de recuperação necessita ser maior e caso ele não seja, a recuperação incompleta poderá ser somada à nova sobrecarga do treinamento seguinte. Se esse processo ocorrer por muitas vezes, fará com que a resistência do tecido diminua deixando-o mais suscetível a uma lesão.

No salto vertical, o impacto pode ser medido por meio da plataforma de força que por sua vez mede a componente vertical da Força de Reação do Solo. O impacto medido pode ser relativizado em função do peso corporal (PC), correspondendo a uma magnitude de força que pode chegar até aproximadamente 7 PC (ACQUESTA et al., 2007), é mais alto que o impacto observado na corrida, 2 a 3 PC (BIANCO, 2005).

As cargas, relativamente, baixas de impacto na corrida tornam mais fácil que o nosso corpo assimile a sobrecarga de um treinamento de corrida de rua. Porém se uma quilometragem muito alta for empregada durante o treinamento, em relação ao nível de condicionamento do sujeito, a probabilidade de adquirir uma lesão irá aumentar bastante.

As células que compõem o tecido ósseo são os osteoblastos, os osteoclastos e os osteócitos. Os osteoblastos são células responsáveis pela osteogênese, formação de matriz orgânica. É devido à ação destas células que ocorre o crescimento e a regeneração óssea. Os osteoclastos são células responsáveis pela reabsorção óssea. É pela ação destas células que o tecido envelhecido ou danificado é dissolvido para ser reabsorvido pela corrente sanguínea e posteriormente eliminado. A ação conjunta destas duas células garante a manutenção do tecido ósseo saudável e resistente. Contudo, é na relação da intensidade de atividade destas células que aumentamos ou diminuímos a nossa massa óssea. Por exemplo, se a atividade osteoblástica for muito maior que a atividade osteoclástica, ocorrerá aumento de massa óssea; por sua vez, se a atividade osteoclástica for superior à atividade osteoblástica, haverá diminuição de massa óssea.

Os osteócitos são células que se encontram em toda a extensão do tecido ósseo. Estas células são osteoblastos modificados que ficaram aprisionados na própria estrutura que criaram e a partir deste momento reduziram sua atividade e passaram a ser responsáveis pelo metabolismo celular (SPENCE, 1991).

A resposta mecânica do tecido ósseo pode ser investigada pela curva de estresse deformação do tecido (Figura 3).

Figura 3: Curva de estresse deformação do osso, que representa a resposta do tecido submetido a um teste mecânico de compressão. Dois tipos de respostas podem ser observadas, respostas elásticas (A-B) e respostas plásticas (B-C), antes de ocorrer a fratura (C). Adaptado de NORDIN e FRANKEL (2003).
 
A curva de estresse deformação demonstra que o osso, assim como qualquer outro tecido biológico, se deforma quando sob a ação de uma força. Porém a deformação obtida pode ser de dois tipos: deformação elástica ou plástica. Segundo o gráfico, conforme uma força de compressão é aplicada sobre o osso, ocorrerá uma deformação proporcional. Se esta deformação for elástica, isso significa que ela será reversível, pois não há comprometimento do tecido como, por exemplo, o surgimento de uma lesão. Contudo, existe certa tolerância à magnitude da força na qual o osso conseguirá responder de forma elástica. Se a magnitude da força for muito alta e ultrapassar um determinado limiar, no gráfico representado B’, o osso passará a responder com uma deformação plástica, na qual lesão é imposta ao tecido e a deformação produzida será irreversível. A lesão produzida, com o tempo, poderá ser regenerada. No entanto, a deformação plástica produzida não será desfeita e a dimensão do osso terá sido modificada. Na condição de deformação plástica, a magnitude da força já é relativamente tão alta para este osso, que pequenos aumentos na magnitude da força produzirão grandes deformações e se a força alcançar a magnitude representada por C´, no gráfico, ocorrerá a fratura por completo deste osso (NORDIN e FRANKEL, 2003).

A Figura 4 ilustra a magnitude máxima de estresse que um osso tolera até a fratura sob a ação de uma compressão, uma tensão ou tração e uma força de cisalhamento (força tangencial).

Figura 4: Máxima carga tolerada pelo tecido ósseo até a fratura, nos diferentes tipos de solicitações mecânicas. Resultado obtido a partir de testes mecânicos. Adaptado de HALL (2009). 

Observa-se que a magnitude de força tolerada em compressão apresenta-se muito superior às magnitudes de forças nas outras solicitações. Isso significa que o tecido ósseo de seres humanos é mais resistente a forças compressivas, que por sinal são solicitações mecânicas muito comuns na natureza, em função da força exercida pela gravidade.


Após a análise do vídeo, fica evidenciado que para se proteger desta força indesejável, torna-se necessário que os abdutores do quadril (glúteo médio e mínimo e tensor da fáscia lata) realizem uma contração para neutralizar a ação do peso no sentido de flexionar a cabeça do fêmur.

Esta ação muscular também é fundamental para permitir a permanência em apoio unipodal ao contrabalancear o efeito da força peso. Uma vez que a ação destes músculos é muito importante para a manutenção da integridade desta região óssea, uma estratégia de otimização eficiente é garantir a manutenção e/ou o aumento de força destes músculos que servirão como protetores do colo da cabeça do fêmur contra farturas, principalmente na terceira idade.

Outra forma de otimização da proteção e de prevenção de lesão por fratura, no colo da cabeça do fêmur, é a de manter o osso resistente por meio da manutenção e/ou aumento da massa óssea, por remodelação.
Esta perda de massa óssea pode ocorrer por falta de estimulação adequada que promoverá maior reabsorção do que formação óssea. Um dos motivos mais observados para redução de massa óssea é o sedentarismo ou a imobilização (Figura 5). Estes dois fatores são observados como causadores de diminuição de massa óssea, pois o tecido ósseo é completamente dependente de aplicação de cargas mecânicas para se manter saudável e resistente (NORIS-SUAREZ, et. al, 2007; BIANCO e FRAGA, 2008). Por isso, na ausência de cargas aplicadas sobre ele, ocorre a perda inevitável da massa óssea e a redução da magnitude de força tolerada em deformação elástica e da força máxima até a fratura. Felizmente, a estimulação produzida para a manutenção da força nos músculos abdutores do quadril, também servirá como estímulo mecânico à manutenção da massa óssea reduzindo ainda mais risco de fratura na região do colo do fêmur.

Figura 5: Curva de estresse deformação de vértebras de macacos submetidos à imobilização em comparação com vértebras normais. Adaptado de NORDIN e FRANKEL (2003).

Portanto, sempre que houver retorno de um praticante de exercício físico a suas atividades após uma lesão, deve-se ter atenção redobrada para que, não somente a mesma estrutura não volte a se lesionar, mas também para que outra estrutura, como o tecido ósseo, não venha a sofrer lesão em decorrência do período de inatividade ao qual o sujeito foi submetido.





REFERÊNCIAS:

HALL, S. Biomecânica Básica. 5ª Ed., Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan, 2009.

ACQUESTA, F.M.; PENEIREIRO, G.M.; BIANCO, R.; AMADIO, A.C.; SERRÃO, J.C. Características dinâmicas de movimentos seleccionados do basquetebol. Revista Portuguesa de Ciências do Desporto. v.7, n.2, p.174–182, 2007.

BIANCO, R. Caracterização das respostas dinâmicas da corrida com calçados esportivos em diferentes estados de uso. 139f. Dissertação (mestrado) - Escola de Educação Física, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.

SPENCE, A.P. Anatomia humana básica. 2ª Ed., Barueri, Editora Manole, 1991.

NORDIN, M.; FRANKEL, V.H. Biomecânica básica do sistema musculoesquelético. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan, 2003.

NORIS-SUAREZ, K.N.; OLIVARES, J.L.; FERREIRA, A.M.; FEIJOO, J.L.; SUAREZ, N.; HERNANDEZ, M.C.; BARRIOS, E. In vitro deposition of hydroxyapatite on cortical bone collagen stimulated by deformation-induced piezoelectricity. Biomacromolecules, v.8, p.941-8, 2007.

BIANCO, R.; FRAGA, C.H.W. Exercício físico e sua influência sobre a osteoporose. In: GORGATTI, M.G., COSTA, R.F. Atividade física adaptada: qualidade de vida para pessoas com necessidades especiais. 2ª Ed., Barueri, Editora Manole, cap.9, p.290-326, 2008.